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16.06.2015

A saúde no século XXI

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A saúde no século XXI

                                                                            José Márcio Soares Leite

O desenvolvimento econômico brasileiro, no início do século XX, mais especificamente a partir da Revolução de 30, foi marcado pela substituição do modelo agrário-exportador pelo modelo nacional-desenvolvimentista, caracterizado por um processo de industrialização crescente que, se por um lado possibilitou o aumento do produto interno bruto (PIB), por outro gerou desigualdades regionais profundas, bolsões de pobreza e exclusão social nas grandes cidades, com reflexos na saúde da população.

Comparando os dados do censo demográfico de 2010 com os de 1940 verifica-se um aumento significativo da população brasileira, que passou de 41.165.000 para 190.732.694 habitantes. A urbanização foi um processo que caracterizou este período, na medida em que três quartos da população - de 15% em 1940 para 84% - hoje vivem nas cidades, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2010). À guisa de comparação, internacionalmente, o grau de urbanização no mundo, há poucos anos, ultrapassou 50%.

A esperança de vida ao nascer e aos 60 anos de idade aumentou progressivamente em todas as regiões brasileiras, para ambos os sexos. Esta passou de 57,4 anos em 1960 para 73,48 anos em 2010, segundo o IBGE, revelando um significativo envelhecimento populacional. Isso se deve a vários fatores e condições, especialmente a um avanço tecnológico científico no campo biomédico, ao desenvolvimento de terapêuticas e técnicas de vacinas, a uma maior cobertura de saneamento básico no país, o que resultou em uma redução da mortalidade geral e infantil, associada à diminuição da fecundidade e da natalidade (Quality analysis of Brasilian vital statistics: the experience of implermenting the SIM and SINASC systems. Mello Jorge. M.H.P. e Gotlieb. S.L.D. Faculdade de saúde Pública de SP. 2000).

Assim, no início do século XXI, as doenças cardiovasculares, as neoplasias (cânceres) e as causas externas (acidentes e violências) representam as três principais causas de morte no Brasil, caracterizando o modelo de transição epidemiológica como tardio e polarizado. Nesse modelo, coexistem doenças ditas do atraso (doenças infecciosas e parasitárias) com doenças da modernidade (doenças e agravos não transmissíveis).

Os dados aqui citados são relevantes porque historicamente, no Brasil, cuidou-se das questões da área da saúde, esquecendo-se de que o processo saúde-doença está diretamente imbricado ao que se conhece hodiernamente por campo da saúde (Lalonde.M. A new perspective on the health of Canadians: a working document. Ottawa: Department of Health and Wealfare. 1974). Ou seja, os fatores condicionantes ou determinantes do processo saúde-doença estão focados basicamente em quatro componentes, a saber: biologia humana (genética), meio ambiente e estilo de vida (hábito de fumar, beber etc) e organização dos serviços de saúde.

Dando continuidade ao estudo dos fatores citados por Lalonde, 10 anos mais tarde, a professora Buck C.(Después de Lalonde: hacia la generación de salud. Boletim Epidemiológico de la OPS.1984: 10-6),ampliou essa concepção de meio ambiente, no sentido físico e material, para um sentido também social, ao considerar o que chamou de “entorno”, como o mais importante dos quatro elementos do “campo da saúde” de Lalonde, acrescentando: “...se o entorno não é adequado, tampouco o seriam a biologia humana, o estilo de vida e a organização da atenção à saúde”.

A professora Carol Buck prossegue sua assertiva, identificando fatores do “entorno” que podem constituir obstáculos para a saúde, denominando-os de “entornos perigosos”: a violência, a segurança dos meios de locomoção, as condições de risco no trabalho, a contaminação do ar e da água. Pelo oposto, denomina “entornos protetores” os relacionados às necessidades básicas do indivíduo (abrigo, vestimenta e alimentação) e a amenidades (cultura, lazer, arte, música, teatro), ou seja, tudo que contribua para facilitar e tornar agradável a vida.

No mesmo artigo, finalmente a dra. Carol destaca “a pobreza como potencializadora de todos os obstáculos à saúde anteriormente referidos, pois são os pobres que vivem os entornos perigosos, os que não podem satisfazer às suas necessidades básicas e carecem de meios para usufruir de amenidades, são os que ocupam postos de trabalho estressantes e não gratificantes, quando empregados, e os que estão isolados das fontes de informação e de estímulo”.

O que se depreende, dos estudos da Epidemiologista Carol Buck, é que não é possível melhorar os outros elementos do campo da saúde de Lalonde sem mudar o “entorno”, pois todos eles estão inseparavelmente unidos a este. Essa perspectiva parte da premissa de se conceituar “saúde” com uma concepção positiva em que um indivíduo ou grupo podem, por um lado, realizar suas aspirações e satisfazer às suas necessidades e, por outro, mudar seu “entorno” ou enfrentá-lo.

Administrar a saúde, portanto, no século XXI, no Brasil, não é uma missão tão fácil, porque mesmo que se reconheça a amplitude de sua moderna concepção epidemiológica e social, mesmo que se trabalhe de forma integrada e intersetorial, não se pode desconhecer, no caso brasileiro, a imensa pressão social e política por serviços assistenciais, também ditos curativos. Desde a Colônia, depois no Império, secundados pela República velha e na atual, a primazia foi dada aos hospitais, ou seja, ao modelo hospitalocêntrico, que cura o indivíduo, mas não cura a coletividade.

Vencer esse paradigma, entender que a saúde deve ser considerada como um recurso aplicável à vida cotidiana e não como objeto dessa vida, buscando alcançar efetivamente uma melhoria nos indicadores básicos de saúde, eis o grande desafio dos governos neste século.

José Márcio Soares Leite

Professor doutor em Ciências da Saúde, presidente da Academia Maranhense de Medicina, conselheiro do CRM/MA, membro do IHGM, da AMC, APLAC; da SMHM, da SBHM e da FBAM

Publicado no jornal O Estado do Maranhão, de domingo dia 14 de junho de 2015

 

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