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15.04.2008

O DIA

                                                                                                                                     José Márcio Soares Leite*

       No Brasil colonial, a ação do Estado no setor saúde foi insignificante. Não havia médicos. As consultas e cirurgias eram desenvolvidas pelos chamados exercentes (físicos, cirurgiões-barbeiros, barbeiros e boticários) e pelas Santas Casas de Misericórdia, que também, inicialmente, atendiam aos enfermos com infusões de ervas, frutas cítricas, raízes e produtos trazidos pelos índios (Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Direito Sanitário, 2003). 
      Com a chegada de João VI ao Brasil, em 1808, começaram a ser tomadas medidas para melhorar essa situação. O primeiro passo foi a criação das Academias Médico-Cirúrgicas, a primeira em Salvador-BA em 1808 e a segunda no Rio de Janeiro em 1813. Iniciou-se também nesse período a vacina antivariólica. A fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de saúde da coletividade (Bertolli,C. F. História da Saúde Pública no Brasil. Editora Ática, 2000).
A proclamação da República, em 1889, foi embalada por uma idéia: modernizar o Brasil a todo custo. Nomes como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz e Vital Brasil muito contribuíram para a melhoria da saúde pública no país, tanto que na primeira década do século passado, erradicaram, no Rio de Janeiro, a peste bubônica e a febre amarela, além de conseguirem manter sob controle a varíola.
      A partir da segunda metade do século XX, se intensificou no Brasil o predomínio das ações assistencialistas ou curativistas, em detrimento das ações de promoção da saúde e prevenção das doenças, o chamado Modelo Hospitalocêntrico. Essa situação se agravou na década de 90 com a extinção do Órgão responsável pelo controle de endemias no país, a Superintendência de Campanhas do Ministério da Saúde-SUCAM, transferindo-se suas ações principalmente para os municípios, sem que estes tivessem tido tempo e recursos materiais e humanos, para organizarem seus serviços de vigilância epidemiológica e controle de vetores. 
      O resultado aí está. Uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro, onde estão ocorrendo 45 casos novos por hora, com mais de cinqüenta mortos, infelizmente a maioria crianças.
      A gravidade dessa situação está a exigir das autoridades sanitárias, urgentes medidas de saneamento básico, como a retirada do lixo dos terrenos baldios e ações de caráter focal (destruição das larvas de mosquitos com larvicidas) e perifocal  (destruição da forma alada do mosquito por meio da borrifação). 
     Ações isoladas ou emergenciais, do tipo reforço na assistência médica e instalação de hospitais de campanha, de altos custos, podem até minorar a situação, mas não causarão impacto, efetividade, no controle dessa doença.            
     Quando a situação chega a esse ponto crítico, ante o que foi mostrado pela TV Globo, ou seja, o depoimento de uma mãe, lamentando a perda da filha, criança, que antes de vir a falecer lhe disse: “socorro, mamãe”, mesmo tardiamente, é o momento das autoridades sanitárias deixarem de lado as desídias, as vaidades pessoais, as querelas político partidárias e se integrarem para o enfrentamento dessa realidade, de forma coordenada, sistemática e competente.
      Nesse contexto, o Senhor Ministro de Estado da Saúde, um médico sanitarista, oriundo da “elite pensante” da saúde da Fundação Oswaldo Cruz, deve propor um pacto contra a dengue no Rio de Janeiro, o dia “D” contra a dengue. 
      No dia “D”, seria deflagrada, uma ampla mobilização, não somente das autoridades responsáveis pela saúde no Estado, à frente o Governador, os Prefeitos e os Secretários de Saúde, mas também de forma intersetorial todas as Secretarias de Governo Estadual e Municipais, profissionais de saúde, técnicos da Fundação Nacional de Saúde (do Rio de Janeiro e de outros Estados), a Fundação Oswaldo Cruz, as Universidades, Os Conselhos de Saúde, Os Conselhos de Classe, os Sindicatos, as Uniões de Moradores dos Bairros, os militares, os estudantes, os empresários, enfim, toda sociedade civil a ajudar na luta contra essa doença, até porque sabemos que é impossível vencê-la sem a participação popular. Como suporte a essa ação, obviamente que existe a necessidade de abertura de crédito especial e/ou suplementar do Governo Federal para o Estado do Rio de Janeiro.
     É preciso, portanto, que todos se conscientizem de que o que hoje é um problema do Rio de Janeiro, amanhã poderá ser de Salvador, de Recife, de Fortaleza e de São Luís, dentre outros.

• Médico, Prof. MSc em Ciências da Saúde. Membro da A.M.M. do I.H.G.M. e da APLAC                

PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO EM 13/04/2008 (DOMINGO)

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