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12.08.2008

Os “Entornos” da Saúde

José Márcio Soares Leite*

                Quase todos os esforços feitos até agora pelos governos e pela sociedade para melhorar a saúde no mundo têm se centrado na organização dos serviços de atenção à saúde. Paradoxalmente, contudo, quando identificamos as principais causas de morbi-mortalidade, e o modo como cada uma dessas causas afeta o grau de saúde em vários países inclusive o Brasil, constatamos que os fatores condicionantes ou determinantes do processo saúde-doença estão focados basicamente em três componentes, a saber: biologia humana (genética), meio ambiente e estilo de vida (hábito de fumar, beber etc), os quais integram o conceito de “campo da saúde” proposto por Marc Lalonde, Ministro da Saúde do Canadá no ano de 1974, em substituição ao que se denominava área da saúde.
              Na realidade, essa concepção de “campo da saúde” de Lalonde inclui ainda um quarto componente representado pela organização da atenção à saúde, porém este componente teve pouca influência nas últimas décadas sobre o coeficiente de mortalidade geral no Canadá, país de origem de Lalonde, o que demonstra sua pequena relevância. 
               Dando continuidade ao estudo dos fatores citados por Lalonde, 10 anos mais tarde, a epidemiologista e pesquisadora Carol J. Buck analisa suas recomendações e sua efetiva implementação no mundo, concluindo pela ausência de mudanças profundas na expressão das políticas de saúde.
               A autora considera o “entorno”(ampliou a concepção de meio ambiente) como o mais importante dos quatro elementos do “campo da saúde” de Lalonde e acrescenta: “...se o entorno não é adequado, tampouco o seriam a biologia humana, o estilo de vida e a organização da atenção à saúde”.
                Identifica fatores do “entorno” que podem constituir obstáculos para a saúde, denominando-os de “entornos perigosos”: a violência, a segurança dos meios de locomoção, as condições de risco no trabalho, a contaminação do ar e da água.
               Pelo oposto, denomina “entornos protetores” os relacionados às necessidades básicas do indivíduo (abrigo, vestimenta e alimentação) e a amenidades (cultura, lazer, arte, música, teatro), ou seja, tudo que contribua para facilitar e tornar agradável a vida.
              Finalmente, considera a pobreza como potencializadora de todos os obstáculos à saúde anteriormente referidos, pois são os pobres que vivem os entornos perigosos, os que não podem satisfazer às suas necessidades básicas e carecem de meios para usufruir de amenidades, são os que ocupam postos de trabalho estressantes e não gratificantes, quando empregados, e os que estão isolados das fontes de informação e de estímulo.
              O que se depreende, com efeito, dos estudos da Professora Carol, é que não é possível melhorar os outros elementos do campo da saúde de Lalonde sem mudar o “entorno”, pois todos eles estão inseparavelmente unidos a este. Essa perspectiva parte da premissa de se conceituar “saúde” com uma concepção positiva em que um indivíduo ou grupo podem, por um lado, realizar suas aspirações e satisfazer às suas necessidades e, por outro, mudar seu “entorno” ou enfrentá-lo.
              A saúde, portanto, deve ser considerada como um recurso aplicável à vida cotidiana e não como objeto dessa vida.
         Na realidade brasileira, por mais avanços que tenhamos tido desde a VIII Conferência Nacional de Saúde e a criação do Sistema Único de Saúde-SUS, estamos ainda voltados para dentro do próprio setor saúde, na tentativa de organização dos serviços de atenção à saúde e na adequação dos recursos disponíveis, sempre insuficientes, para o financiamento desse sistema.
             Os gestores municipais, como conseqüência dessa política equivocada, a cada momento, deparam-se com a crescente necessidade de atender aos problemas de saúde que a população apresenta, a custos que aumentam dia a dia, e convivem com sérios problemas sociais, que configuram um “entorno” facilitador do aumento de doenças. Vale dizer, criou-se um círculo vicioso pobreza-doença- baixa produtividade-baixa renda-mais doença, o mesmo que Edward Chadwick já observara em relatório sobre as condições de saúde da classe trabalhadora na Inglaterra no início do século XIX.
           No momento em que se deflagra o processo eleitoral para escolha de novos Prefeitos, é importante que os futuros gestores reflitam sobre isso e compreendam que só é possível mudar essa realidade por meio da Produção Social em Saúde, ou seja, que se  trabalhe pelo desenvolvimento de “entornos protetores” ao invés de cuidar exclusivamente das doenças, o que pode significar um potencial transformador da atual prática de lidar com a saúde.
              
• Médico. Professor MSc em Ciências da Saúde Membro da AMM, do IHGM, da APLAC, da SBHM e da AMC.
• Publicado no jornal O Estado do Maranhão, de 20/07/2008 (Domingo).

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